"A bica chamada dos «Olhos», é uma das mais curiosas antiguidades de Lisboa, tanto pela virtude que á sua agua attribue a gente do povo, como por estar vinculada ao predio onde se conserva, com a obrigação de a ter o senhorio sempre corrente e pública. Do archivo da camara municipal de Lisboa consta, que um carpinteiro chamado Antonio Ferreira, comprara por 1:750$000 réis, uma propriedade de casas ás portas do Pó, hoje rua da Boa Vista, a qual tinha a serventia principal pela Calçada Corrêa de Sá. Distante quatro palmos d'esta propriedade havia um chão pertencente á cidade, onde estava a bica chamada do <<Artibello>>, contracção de Duarte Bello, que deu o nome, que ainda se conserva, á rua que vae do largo do Calhariz para a Boa Vista. O referido carpinteiro requereu ao senado lhe aforasse aquelle chão para n'elle edificar em continuação do predio que já possuia. O senado consultou a favor, pelo que se lavrou escriptura de aforamento d'aquelle chão aos 29 dias do mez de julho de 1709, imponde-se-lhe o foro annual de 2$000 réis, e laudemio de quarentena. N'esta escriptura, além das clausulas costumadas, se lê a seguinte: «E com mais condição, que elle dito Antonio Ferreira será obrigado a mudar a fonte á sua custa, chegal-a á aresta conteúda no cordeamento, como tambem elle e seus herdeiros a reparal-a de todos os desmanchos e concertos dos canos d'ella, e dos que carecer a mesma fonte em qualquer tempo que seja, sem da fazenda da cidade se concorrer para as despezas com coisa alguma.» A bica passou então para junto do cunhal da nova propriedade, que faz esquina para o beco do conde de Sampaio, e está mettida no vão de uma larga porta, com ombreiras e verga de pedra. O fundo d'este vão é todo de cantaria, figurando um tosco prospecto de fonte, com sua cimalha e frontão, no centro do qual está esculpida a era de 1675. A meio d'este prospecto fica o navio das armas de Lisboa, em alto relêvo, de cujo costado sáe a bica, que tem hoje por baixo um pequeno tanque, em fôrma de concha, feito ha pouco tempo, porque d'antes o tanque era quadrado, e chegava quasi á face das ombreiras da porta. Por baixo da cimalha tem o seguinte padrão gravado na cantaria: HE OBRIGADO O DONO DESTA PROPRIEDADE A CONSERVAR ESTA BICA SEMPRE CORÊNTE À SUA CUSTA. O chamar-se-lhe bica dos «Olhos» provém do seguinte caso, que a tradição tem conservado até hoje. Um francez que descobriu na agua d'esta bica grandes virtudes para inflammação de olhos, começou a vendel-a em vidrinhos com um nome pomposo, e provindo de origem supposta. Com effeito esta agua fez immensas curas, diz-se, e o industrioso estrangeiro ganhou muito dinheiro. Por fim o criado que ia de noite buscar a agua á bica de Duarte Bello, que o amo vendia como especifico, revelou o segredo, pelo que o francez teve de fugir, divulgando-se a virtude que tinha a agua d'aquella bica, concorrendo alli desde então muitos doentes a lavar os olhos, e a ser tirada em garrafas para o mesmo uso." in Archivo pittoresco : semanario illustrado, 5.º Ano, n.º 33
Chafariz da Bica dos Olhos, 1951, foto de Eduardo Portugal, in a.f. C.M.L.
Atlas da carta topográfica de Lisboa, nº 50, de Filipe Folque, in A.M.L.
in Memoria sobre chafarizes, bicas, fontes, e poços públicos de Lisboa, Belem e muitos logares do termo
Chafariz da Bica dos Olhos, 1951, foto de Eduardo Portugal, in a.f. C.M.L.
Chafariz da Bica dos Olhos, foto de Fernando Martinez Pozal, in a.f. C.M.L.
"O mês de Dezembro do ano de 1647, como todos os que o leitor tem passado, deveria ser frígido. O dia 15, naquêle ano, caíu a um domingo. Para êste dia, estava marcado um auto da Fé, que teria lugar na Praça da Ribeira, em frente ao Real Paço, por ser mais ampla e comportar avultado número de povo, sempre ávido de presenciar os grandes dramas emocionantes. Para assistirem ao referido auto da Fé, convidou a Rainha D. Luisa de Gusmão as damas da sua côrte, a quem ofereceu um jantar. Êste auto da Fé não vem mencionado na lista que o sr. Mendes dos Remédios publicou na revista da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, Biblos, nem tão pouco temos conhecimento se o dito auto teve sermão, - é natural que tivesse - nem quem foi o orador. A relação dos gastos que se fizeram com o jantar oferecido às damas da Rainha, na sua simples análise, torna-se curiosa e cheia de interesse, só por si; mas no entanto, vamos destacar mais algumas notícias acompanhadas de pequenos comentários. Os documentos não nos dizem ao certo o número de damas que assistiram ao auto da Fé e saborearam o jantar, mas podemos depreender da leitura da relação dos gastos, que não deveriam ser menos de trinta e quatro, visto que o número de facas para a mesa, que mandaram amolar, foi de trinta e quatro, cujo trabalho custou 102 reis. No ano de 1641 a Casa da Rainha tinha trinta e três damas ao seu serviço, com os respectivos ordenados, o que não quer dizer que em 1647 não tivesse trinta e quatro. Assim muito sumàriamente, podemos fazer a seguinte enumeração das iguarias compradas para o jantar oferecido às ditas damas da Rainha, agrupando algumas verbas dispersas, para melhor se poder avaliar o conjunto, como vamos vêr. Por exemplo: seis perus custaram a módica quantia de 2$400 reis; galinhas foram trinta, regulando à razão de 120 reis cada peça. O que dirão a isto certas vendedeiras generosas da Praça da Figueira? Depois entre outras coisas, veem mais dezasseis arrateis de toucinho; doze lombos, vinte e quatro pombos; cinquenta e dois pães; seis canadas de leite; trezentos ovos; e trinta e cinco e meio de açuca. E, para fechar esta série de coisas necessárias para um grande jantar, diremos que também se gastaram trinta palmos de lingüiça, caso interessante, pois que não era vendida a pêso, como se vê, mas sim a palmo, custando cada um trinte e três reais...<<15, Dz.º 647>>,<<Despeza q' se fez cõ o jantar q'a Rainha nossa Srª mandou dar as Donnas que vieraõ ao paço ver o Autto da feé que se fes em domingo 15 dias de dezembro de 647...Soma o gasto deste jantar trinta tres mil sento noventa e oito rs. e meio.>> Tem a nota de lançado a fl. 324 e é assinado por Rui de Moura. O documento que acabamos de transcrever encontra-se na Biblioteca Nacional de Lisboa, Secção de Manuscritos do Fundo Geral, códice 4173, páginas 47 e seguintes,com o título Do Governo de Portugal, papeis da Casa das Rainhas, etc., pelo qual ficamos sabendo que um jantar oferecido por uma Rainha de Portugal às damas da sua côrte nos começos do ano de 1647, custou a importante quantia de 33$198,5 reis." in http://hemerotecadigital.cm-lisboa.pt/Periodicos/FeiradaLadra/TomoIII/TomoIII_item1/P174.html
"O forte da Junqueira - um velho edificio hoje desmantelado - está encoberto da banda da rua por casarões, mas apresenta-se ainda com o seu geito fero encravado em areia para o lado amplo da via ferrea, o interior desprestigiado, feito armazem d'Alfandega, como um velho carcereiro de principes que abrisse botica. Outr'ora a agua marulhava contra as suas paredes enverdecidas e limosas, estalava com furia nas noites tempestuosas a acordar os prisioneiros que, após o attentado contra D. José I, ali desembarcaram dos botes, entre armas, e foram, espantados e d'algemas nos pulsos habituados ás rendas caras das vestes, occupar as prisões que ficavam debaixo das casas do desembargador, do escrivão, dos carcereiros e da capella e por cima dos subterraneos onde eram os antros de tortura e o cemiterio, para o qual se arrojaram algumas ossadas com seus entroncamentos de nobres espinhas de reis godos. Os que ali entraram, arrancados dos seus palacios, dos saraus, das recamaras dos paços, das salas nobres de Belem, do Calvario e d'Azeitão, eram os obidos e os S. Lourenço, os Alorna e os Ribeira, os jesuitas confessores da fidalguia e dos soberanos, os magistrados affectos á nobreza e o marquezinho de Gouveia, filho do duque d'Aveiro, descendente de D. João II e de Anna de Moura, que veiu pagar no domínio dos Braganças o que seu avô, tronco da casa, fizera seculos antes aos antepassados d'esse rei José...As prisões que percorremos agora, ainda com o fremito d'uma evocação, são escuras na sua maioria, as grades deitam para um pateo triste, um pateo de presidio, silencioso, com rebentos d'arvores velhas, com o seu poço sem ferragens e a sua taciturnidade aggressiva. Todos os carceres tinham tres portas, duas de madeira e uma de ferro, e mesmo de dia era necessario,accender luz para se poder ler...O forte está lá, mas a sua legenda vae-se escurecendo á medida que se soterram as prisões, cujas chaves enormes se enferrujam se quebram, como já desappareceu o velho cemitério e a casa das torturas, escondidas pela terra que se ergue e tudo vae cobrindo, como se ergue e tudo aos poucos vae cobrindo, como se quizesse apagar essa tenebrosa recordação do reinado de...Pombal." in Ilustração Portuguesa, 2.ª série, n.º 21, 16 de Julho de 1906
Forte da Junqueira, foto de Filmarte, in a.f. C.M.L.
Planta Topográfica de Lisboa 6 C, in A.M.L.
A prisão grande
O carcere dos Tavoras
O pateo e o poço
O pateo das prisões e a capella
Forte da Junqueira, foto de José Arthur Leitão Bárcia, in a.f. C.M.L.
Forte da Junqueira, 1939. Foto Eduardo Portugal, in a.f. C.M.L.