"O mês de Dezembro do ano de 1647, como todos os que o leitor tem passado, deveria ser frígido. O dia 15, naquêle ano, caíu a um domingo. Para êste dia, estava marcado um auto da Fé, que teria lugar na Praça da Ribeira, em frente ao Real Paço, por ser mais ampla e comportar avultado número de povo, sempre ávido de presenciar os grandes dramas emocionantes. Para assistirem ao referido auto da Fé, convidou a Rainha D. Luisa de Gusmão as damas da sua côrte, a quem ofereceu um jantar. Êste auto da Fé não vem mencionado na lista que o sr. Mendes dos Remédios publicou na revista da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, Biblos, nem tão pouco temos conhecimento se o dito auto teve sermão, - é natural que tivesse - nem quem foi o orador. A relação dos gastos que se fizeram com o jantar oferecido às damas da Rainha, na sua simples análise, torna-se curiosa e cheia de interesse, só por si; mas no entanto, vamos destacar mais algumas notícias acompanhadas de pequenos comentários. Os documentos não nos dizem ao certo o número de damas que assistiram ao auto da Fé e saborearam o jantar, mas podemos depreender da leitura da relação dos gastos, que não deveriam ser menos de trinta e quatro, visto que o número de facas para a mesa, que mandaram amolar, foi de trinta e quatro, cujo trabalho custou 102 reis. No ano de 1641 a Casa da Rainha tinha trinta e três damas ao seu serviço, com os respectivos ordenados, o que não quer dizer que em 1647 não tivesse trinta e quatro. Assim muito sumàriamente, podemos fazer a seguinte enumeração das iguarias compradas para o jantar oferecido às ditas damas da Rainha, agrupando algumas verbas dispersas, para melhor se poder avaliar o conjunto, como vamos vêr. Por exemplo: seis perus custaram a módica quantia de 2$400 reis; galinhas foram trinta, regulando à razão de 120 reis cada peça. O que dirão a isto certas vendedeiras generosas da Praça da Figueira? Depois entre outras coisas, veem mais dezasseis arrateis de toucinho; doze lombos, vinte e quatro pombos; cinquenta e dois pães; seis canadas de leite; trezentos ovos; e trinta e cinco e meio de açuca. E, para fechar esta série de coisas necessárias para um grande jantar, diremos que também se gastaram trinta palmos de lingüiça, caso interessante, pois que não era vendida a pêso, como se vê, mas sim a palmo, custando cada um trinte e três reais...<<15, Dz.º 647>>,<<Despeza q' se fez cõ o jantar q'a Rainha nossa Srª mandou dar as Donnas que vieraõ ao paço ver o Autto da feé que se fes em domingo 15 dias de dezembro de 647...Soma o gasto deste jantar trinta tres mil sento noventa e oito rs. e meio.>> Tem a nota de lançado a fl. 324 e é assinado por Rui de Moura. O documento que acabamos de transcrever encontra-se na Biblioteca Nacional de Lisboa, Secção de Manuscritos do Fundo Geral, códice 4173, páginas 47 e seguintes,com o título Do Governo de Portugal, papeis da Casa das Rainhas, etc., pelo qual ficamos sabendo que um jantar oferecido por uma Rainha de Portugal às damas da sua côrte nos começos do ano de 1647, custou a importante quantia de 33$198,5 reis." in http://hemerotecadigital.cm-lisboa.pt/Periodicos/FeiradaLadra/TomoIII/TomoIII_item1/P174.html
"O forte da Junqueira - um velho edificio hoje desmantelado - está encoberto da banda da rua por casarões, mas apresenta-se ainda com o seu geito fero encravado em areia para o lado amplo da via ferrea, o interior desprestigiado, feito armazem d'Alfandega, como um velho carcereiro de principes que abrisse botica. Outr'ora a agua marulhava contra as suas paredes enverdecidas e limosas, estalava com furia nas noites tempestuosas a acordar os prisioneiros que, após o attentado contra D. José I, ali desembarcaram dos botes, entre armas, e foram, espantados e d'algemas nos pulsos habituados ás rendas caras das vestes, occupar as prisões que ficavam debaixo das casas do desembargador, do escrivão, dos carcereiros e da capella e por cima dos subterraneos onde eram os antros de tortura e o cemiterio, para o qual se arrojaram algumas ossadas com seus entroncamentos de nobres espinhas de reis godos. Os que ali entraram, arrancados dos seus palacios, dos saraus, das recamaras dos paços, das salas nobres de Belem, do Calvario e d'Azeitão, eram os obidos e os S. Lourenço, os Alorna e os Ribeira, os jesuitas confessores da fidalguia e dos soberanos, os magistrados affectos á nobreza e o marquezinho de Gouveia, filho do duque d'Aveiro, descendente de D. João II e de Anna de Moura, que veiu pagar no domínio dos Braganças o que seu avô, tronco da casa, fizera seculos antes aos antepassados d'esse rei José...As prisões que percorremos agora, ainda com o fremito d'uma evocação, são escuras na sua maioria, as grades deitam para um pateo triste, um pateo de presidio, silencioso, com rebentos d'arvores velhas, com o seu poço sem ferragens e a sua taciturnidade aggressiva. Todos os carceres tinham tres portas, duas de madeira e uma de ferro, e mesmo de dia era necessario,accender luz para se poder ler...O forte está lá, mas a sua legenda vae-se escurecendo á medida que se soterram as prisões, cujas chaves enormes se enferrujam se quebram, como já desappareceu o velho cemitério e a casa das torturas, escondidas pela terra que se ergue e tudo vae cobrindo, como se ergue e tudo aos poucos vae cobrindo, como se quizesse apagar essa tenebrosa recordação do reinado de...Pombal." in Ilustração Portuguesa, 2.ª série, n.º 21, 16 de Julho de 1906
Forte da Junqueira, foto de Filmarte, in a.f. C.M.L.
Planta Topográfica de Lisboa 6 C, in A.M.L.
A prisão grande
O carcere dos Tavoras
O pateo e o poço
O pateo das prisões e a capella
Forte da Junqueira, foto de José Arthur Leitão Bárcia, in a.f. C.M.L.
Forte da Junqueira, 1939. Foto Eduardo Portugal, in a.f. C.M.L.
"Foi este templo começado a edificar nos princípios do Século XVIII, lançando-lhe a primeira pedra D. João V, em 4 de Julho de 1711, conforme se pode ler no escudo que sobresai por cima da porta principal. Deu nome a esta Igreja, onde entrou com aparatoso cerimonial em 25 de Março de 1737, a imagem do Menino Jesus, tida por milagrosa, oferecida à Ordem Terceira pela Madre Cecília de Jesus, do Convento da Madre de Deus, segundo vem mencionado no <<Portugal Dicionário>>, de Esteves Pereira e Guilherme Rodrigues. Parece não haver dúvidas ter sido o arquitecto desta obra o célebre Ludovice, autor do projecto do Convento de Mafra e de outras obras espalhadas pelo país, embora Custódio Vieira, outro arquitecto da época, aqui também tivesse colaborado, conforme o afirma Gonzaga Pereira no seu livro <<Monumentos sacros de Lisboa>>, que o aponta como autor das escadas da Igreja...A composição da fachada, como se observa nos corpos laterais, é formada por duas ordens arquitectónicas, sendo a inferior a dórica e a superior a jónica. Sobe-se, no corpo central da Igreja, por dois lanços de escada de 12 degraus cada um para o patim da entrada, abrindo-se neste a porta principal, que é ladeada por um pórtico de ordem coríntia com colunas estriadas, sendo o entablamento rematado, nos extremos, por grandes volutas e, ao centro, por um escudo onde se lê em 5 linhas a seguinte legenda: <<O muito alto e poderoso Rei de Portugal D. JoãoV, lançou a primeira pedra e tôda esta obra em 4 de Julho de 1711>>...É curiosa esta igreja por não possuir janelas na frente principal, a não ser o janelão que se encontra sôbre a porta de entrada e ilumina o côro. As aberturas que aparecem na fachada, oito nos corpos laterais, dando para as escadas de caracol, e duas no corpo central que iluminam o côro, podem ser consideradas antes como frestas abertas em tabelas, do que como janelas, pouco valorizando a composição realmente grandiosa da fachada." in Olisipo : boletim do Grupo "Amigos de Lisboa", Ano IV, n.º 16, Outubro 1941
Panorâmica de Alfama onde se destaca a Igreja do Menino Deus, foto de José Arthur Leitão Bárcia, in a.f. C.M.L.
Atlas da carta topográfica de Lisboa nº 44 , in A.M.L.
Igreja do Menino Deus, fachada principal, foto de Armando Serôdio, in a.f. C.M.L.
in Olisipo : boletim do Grupo "Amigos de Lisboa", Ano IV, n.º 16, Outubro 1941
Igreja do Menino Deus, claustro, foto de Eduardo Portugal, in a.f. C.M.L.
Igreja do Menino Deus, fachada principal, foto Estúdio Mário Novais, in a.f. C.M.L.
Projecto de rua a ligar o largo de Santa Cruz do Castelo com o largo do Menino Deus, 1888, in A.M.L.
"Saindo pelas barreiras de S. Sebastião da Pedreira, estrada de Bemfica, a uns tres kilometros da praça do Commercio, e em linha recta com a mesma, chega-se aos mais lindos suburbios de Lisboa, situados no ameno e excelentissimo valle que vae correndo para o norte em direcção á serra de Cintra. Logo ao sair das barreiras está a QUINTA DA PALHAVÃ. - Esta propriedade, ainda não ha muitos annos, era celebre pela espessura de seus bosques, pela grandeza dos jardins e preciosa collecção das suas plantas, pela abundancia de estatuas e vasos de marmore que a decoravam, d'entre as quaes algumas sobresaíam por excellencia d'arte, e finalmente pela bondade e frescura de suas aguas. Esta quinta e palacio foram fundados na segunda metade do seculo XVII por D. Luiz Lobo da Silveira, segundo conde de Sarzedas. Seu filho terceiro conde do mesmo titulo, fez-lhe muitos augmentos, entre outros o grande portão da entrada principal, onde avultam as armas desta antiga e illustre familia, que vindo a extinguir-se no seculo passado, reverteram os seus bens para os condes da Ericeira, creados posteriormente marquezes de Louriçal; e pela extinção d'esta casa succederam nos seus morgados os srs. condes de Lumiares. No palacio de Palhavã morreu em 7 de dezembro de 1663 a rainha D. Maria Francisca Isabel de Saboya, filha do duque de Nemours, e mulher del-rei D. Pedro II, tendo ido para alli convallescer. Serviu tambem aquelle palacio de residencia aos principes D. Antonio, D. Gaspar, e D. José, filhos naturaes mas reconhecidos del-rei D. João V (o segundo veiu a ser arcebispo de Braga, e o terceiro inquisidor geral de Lisboa), aos quaes o povo appellidava <<menimnos de Palhavã>>, epitheto que lhes conservou ainda mesmo na velhice. Durante a longa residencia d'estes principes em Palhavã chegou a quinta ao seu maior esplendor, e mais esmerada cultura. Adornavam-se os seus jardins com a mais rica e bella collecção de plantas exoticas que então havia na capital. Depois da morte dos principes começou a decadencia da quinta, que augmentou posteriormente á invasão franceza de 1808. Porém a grande ruina d'esta propriedade foi causada pelas luctas durante o cerco de Lisboa de 1833, na guerra da restauração da liberdade. Foi theatro de um mortifero combate na tarde e noite de 5 de setembro d'aquelle anno. Palacio e quinta tudo foi assolado. Desde então progrediu a devastação até ao ponto de reduzirem a terras de trigo os seus bosques, pomares, e jardins. Passado tempo alguns dos seus vasos e as figuras de marmore mais pequenas vieram ornar a varanda do jardim que se prolonga com o palacio do sr. conde de Lumiares, ao Passeio Publico. Porém ainda lá se conservam algumas estatuas colossaes, erguendo-se em meio de cearas, e lagos ornados de figuras, tudo feito em Italia, havendo entre estas obras de arte algumas producções do celebre esculptor Bernini. Felizmente esta propriedade foi comprada ha pouco pelos srs. condes de Azambuja, que se propõem a restaurar o palacio e quinta, conservando ao primeiro todas as suas feições primitivas." in Archivo pittoresco : semanario illustrado, 6.º Ano, n.º 11, 1863
Palácio da Palhavã, foto de Judah Benoliel, in a.f. C.M.L.
Planta Topográfica de Lisboa 9 L, 1909, in A.M.L.
Anteprojeto de novos arruamentos entre a Avenida António Augusto de Aguiar, Linha Férrea de Cintura, Rua Marquês de Fronteira e Rua de Campolide, in A.M.L.
Palácio da Palhavã, fotógrafo n/i, in a.f. C.M.L.
Palácio da Palhavã, portão, fotógrafo n/i, in a.f. C.M.L.
Palácio de Palhavã, jardim, foto de Octávio Bobone, in a.f. C.M.L.
Palácio de Palhavã, jardim, foto de Octávio Bobone, in a.f. C.M.L.