Chafariz de El-Rei
"Segundo consta da <<Memória para a História das Inquisições de D. Afonso II>>* (doc. 2º, pág. 14), existia por volta de 1220, na Freguesia de S. João da Praça, um chafariz denominado <<Sancti Johanis>>, situado no interior da cerca moura. Júlio de Castilho admite que a denominação actual teria provindo do reinado de D. Dinis, pois teria sido este monarca a ordenar a sua transferência para a parte exterior da referida cerca. O nome de El-Rei teria subsistido em veneração à obra notável que o soberano empreendeu pelo engrandecimento do país.
Foi um manancial riquíssimo, no séc. XVI o chafariz abastecia todas as gentes do sítio com as suas seis bicas, ao qual posteriormente se acrescentaram mais três. Esta água além de abundante, dizia-se muito boa para a saúde, especialmente depois de algum tempo em casa.
Com efeito, apesar do seu manancial ser abundante, era também muito o número de quartas, bilhas e barris: mas vejamos o que nos diz o Padre Duarte Sande em 1584:
<<Ê (o mencionado chafariz) de boa construção, e todo de pedra mármore. De uma nascente próxima recebe as águas, que naquela cidade são abundantíssimas, e as lança por bocas muito espaçosas e bem trabalhadas, sendo tal a concorrência de servos e criados que a vão buscar, que até pela noite adiante ali estão em carreira esperando a sua vez>>.
Assim, em 1551, fez o senado publicar uma postura camarária, procurando disciplinar e reprimir os abusos que ali se verificavam.
A Postura, segundo Veloso de Andrade, dizia: <<Constando ao Senado que há homens brancos, negros que vão às bicas do chafariz de El-Rei a vender água a quem vai buscar, de que se seguem brigas, ferimentos, e mortos faz a sua postura para a repartição das ditas bicas pela maneira seguinte: na primeira bica indo da Ribeira para elas, encherão pretos-forros e captivos, e assim mulatos e indios e todos os mais captivos, que forem homems. Logo na segunda seguinte poderão encher os mouros das galés sómente a água que for necessária para as suas aguadas, e tendo cheio os seus barris, ficará a dita bica para os negros e mulatos conforme a declaração atráz. Na terceira e quarta, que são as duas do meio, encherão as mulheres pretas, mulatas, indias forras e captivas - e na derradeira bica da banda de Alfama encherão as mulheres e moças brancas, conforme a declaração das bicas, sob pena de quem o contrário fizer do que está dito, sendo pessoa branca e forra, assim homem como mulher, pagará dois mil reis de pena, ficando três dias na cadeia sem munissão; de que haverá metade da pena do dinheiro quem o acusar, e a outra metade para a cidade, - da mesma pena terão os ditos brancos, mulatos, indios e pretos-forros, que encherem por dinheiro, ou aclarando-se que enchão em qualquer outra das que se lhe nomeião, posto que corra a dita água no chão, e não poderão encher nas declaradas, e os negros e captivos e os mais escravos, que o contrário fizerem do que está dito, serão publicamente assoutados com pregão de redor do dito chafariz, conforme a provisão de El-Rei Nosso Senhor novamente passada, as quais penas se executaram três dias depois da publicação desta postura que se lhe dão para vir primeiro à noticia dos moradores desta cidade.>>"
in Lisboa: Revista Municipal N.º 17
Chafariz de El-Rei, foto de José Arthur Leitão Bárcia, in a.f. C.M.L.
A negro o troço da Cerca Moura, junto do Chafariz de El-Rei, segundo a reconstituição do Eng. Augusto Vieira da Silva.
Chafariz de El-Rei na planta de Lisboa de 1650, levantada por João Nunes Tinoco.
Cerca moura, torre do Chafariz d' el Rei, foto de André Salgado, in a.f. C.M.L.
Crianças e aguadeiros no chafariz d' El Rei, 1907, foto de Joshua Benoliel, in a.f. C.M.L.
Chafariz d'El Rei, 1945, foto de Eduardo Portugal, in a.f. C.M.L
* Convirá esclarecer que se trata de inquirições e não das estruturas inquisitoriais! A fonte, incompletamente citada, será: RIBEIRO, João Pedro (1815), Memórias para a Historia das Inquirições dos primeiros Reinados de Portugal colligidas pelos discipulos da Aula de Diplomatica no anno de 1814 para 1815 debaixo da direcção dos Lentes Proprietário, e Substituto da mesma Aula [Org. por ...], Lisboa, Impressão Régia.
O meu Agradecimento a Joao de Figueiroa-Rego, pela rectificação, ao artigo original.