Feira de Agosto
"Quando vem o mez de agosto, começa a sahir de Lisboa a gente que se presa, uma grande parte para fingir de rica, que vae gosar os rendimentos para o estrangeiro, para o campo e para as praias, como é de bom tom e de bom gosto...
Lisboa fica então ás moscas, aos economicos, que deitam contas á vida, e ao proletariado, que não tem de que deitar contas.
Fecham os teatros, fecham-se as salas, dam-se as ultimas touradas no Campo Pequeno, e para acabarem todas as distrações ao lisboeta fecham-se este anno as côrtes, a unica coisa que ainda mexia neste mar morto da capital do reino.
Veio porém o progresso cá da terra e achou improprio de uma capital os seus usos tradicionaes. Abolio os arraiaes e feiras intra muros por indecentes e más figuras. Não se queriam esses espéctaculos e distrações saloias; nada de arraiaes aos santos populares, nem de feiras velhas nesta Lisboa formosa e risonha.
As feiras eram outra distração para o lisboeta, que adora os petiscos saboreados na barraca de lôna com suas cortinas de ramagem de cores berrantes, e o torreano bebido por tigelas a regar as belas caldeiradas, as sardinhas na grelha...e toda essa culinaria nacional que vae desde a canja de galinha até ao mexilhão.
Não se queriam mais essas coisas na cidade e a cidade entristeceu por estes mezes de verão...
Tudo voltou como antes e Lisboa passou o verão de 1907 só com a feira de Alcantara e a de Belem, esta quando já goteja a telha e o povo tem os teatros e circos abertos em Lisboa para sw divertir ás noites, não falando na praga dos animatografos.
Este anno, porém, desforrou-se. A seguir á feira de Alcantara, inaugurou-se a feira de agosto que entra pelo setembro, até que cheguem as peras cosidas e as castanhas assadas.
Uma grande feira, no futuro parque Eduardo VII, lá no alto da Avenida, uma feira a que antes se devia chamar <<Centro de Diversões, porque pouco ou nada se vende do que se traz paea casa.
Da feira de agosto só se poderá trazer para casa alguma bugiaria, e no estomago alguns petiscos, pois quanto ao mais do que lá se gasta lá fica.
Para isso tem o publico por onde escolher, desde o velho tutilimundi ao moderno cinematografo, desde a apimentada revista de anno até á zarzuela, em teatros de luxo abrigados a pinho e papelão pintado com luz eléctrica, geral, superior e cadeiras para distinção de classes.
Realejos colossaes, como grandes orquestras, que tocam á porta dos espectaculos e se ouvem a meia legua de distancia.
As barracas de petiscos tomaram ares de restaurantes, e já não são reles cortinas de ramagem que devidem seus gabinetes particulares, mas biombos de papel pintado e reposteiros discretos, todos iluminados a luz eléctrica.
Um destes restaurantes, por exemplo, anuncia as caldeiradas á marinheira comidas a caracter, na tolda de um navio armado em terra firme, com seus mastros e vergas.
Botequins ao ar livre e cervejarias.
O bazar do Albergue das Creanças Abandonadas, outro ponto de reunião, com tombolas e sortes, em beneficio daquelles pobres que não teem sorte.
Á noite, mais tem que ver a feira com seus renques de luz eléctrica e arcos voltaicos, apresentando de fóra uma perspéctiva linda com seu tanto de fantastica.
Para nada faltar, por lá gira a roleta rapando os ultimos cobres aos viciosos das duzentas.
E assim, o lisboeta tem agora onde entreter as noites calmosas."
in O Ocidente : revista ilustrada de Portugal e do estrangeiro, N.º 1069 ( 10 Set. 1908 )
Feira de Agosto, 1911, fotógrafo n/i, in a.f.C.M.L.
Feira de Agosto, foto de Alberto Carlos Lima, in a.f. C.M.L.
Feira de Agosto, 1908, fotógrafo n/i, in a.f.C.M.L.
Parque Eduardo VII, pavilhão na Feira de Agosto, foto de Alberto Carlos Lima, in a.f. C.M.L.
Feira de Agosto no parque Eduardo VII, teatro Júlia Mendes, 1911, foto de Joshua Benoliel, in a.f. C.M.L.
Feira de Agosto, sem data, fotógrafo n/i, in a.f.C.M.L.
Feira de Agosto no parque Eduardo VII, barraca das farturas premiada pelo júri, 1911, foto de Joshua Benoliel, in a.f. C.M.L.
Feira de Agosto no parque Eduardo VII, pavilhão do Metropolitan Scenic Railway, 1910, foto de Joshua Benoliel, in a.f. C.M.L.
Parque Eduardo VII, pavilhão na feira de Agosto, pós 1907, foto de Alberto Carlos Lima, in a.f.C.M.L.
Feira de Agosto, 1911, fotógrafo n/i, in a.f.C.M.L.