Forte da Junqueira
"O forte da Junqueira - um velho edificio hoje desmantelado - está encoberto da banda da rua por casarões, mas apresenta-se ainda com o seu geito fero encravado em areia para o lado amplo da via ferrea, o interior desprestigiado, feito armazem d'Alfandega, como um velho carcereiro de principes que abrisse botica.
Outr'ora a agua marulhava contra as suas paredes enverdecidas e limosas, estalava com furia nas noites tempestuosas a acordar os prisioneiros que, após o attentado contra D. José I, ali desembarcaram dos botes, entre armas, e foram, espantados e d'algemas nos pulsos habituados ás rendas caras das vestes, occupar as prisões que ficavam debaixo das casas do desembargador, do escrivão, dos carcereiros e da capella e por cima dos subterraneos onde eram os antros de tortura e o cemiterio, para o qual se arrojaram algumas ossadas com seus entroncamentos de nobres espinhas de reis godos. Os que ali entraram, arrancados dos seus palacios, dos saraus, das recamaras dos paços, das salas nobres de Belem, do Calvario e d'Azeitão, eram os obidos e os S. Lourenço, os Alorna e os Ribeira, os jesuitas confessores da fidalguia e dos soberanos, os magistrados affectos á nobreza e o marquezinho de Gouveia, filho do duque d'Aveiro, descendente de D. João II e de Anna de Moura, que veiu pagar no domínio dos Braganças o que seu avô, tronco da casa, fizera seculos antes aos antepassados d'esse rei José...As prisões que percorremos agora, ainda com o fremito d'uma evocação, são escuras na sua maioria, as grades deitam para um pateo triste, um pateo de presidio, silencioso, com rebentos d'arvores velhas, com o seu poço sem ferragens e a sua taciturnidade aggressiva. Todos os carceres tinham tres portas, duas de madeira e uma de ferro, e mesmo de dia era necessario,accender luz para se poder ler...O forte está lá, mas a sua legenda vae-se escurecendo á medida que se soterram as prisões, cujas chaves enormes se enferrujam se quebram, como já desappareceu o velho cemitério e a casa das torturas, escondidas pela terra que se ergue e tudo vae cobrindo, como se ergue e tudo aos poucos vae cobrindo, como se quizesse apagar essa tenebrosa recordação do reinado de...Pombal."
in Ilustração Portuguesa, 2.ª série, n.º 21, 16 de Julho de 1906
Forte da Junqueira, foto de Filmarte, in a.f. C.M.L.
Planta Topográfica de Lisboa 6 C, in A.M.L.
A prisão grande
O carcere dos Tavoras
O pateo e o poço
O pateo das prisões e a capella
Forte da Junqueira, foto de José Arthur Leitão Bárcia, in a.f. C.M.L.
Forte da Junqueira, 1939. Foto Eduardo Portugal, in a.f. C.M.L.